mardi, août 25, 2015

Pingando

- E aí, como andam as coisas em Porto Alegre?

- Tudo bem. Sábado pela manhã, ao sair do trabalho, segui com os olhos uma trilha de gotas de sangue na calçada durante três quadras - dobrei na Lima e Silva, então não sei se continuava ou não. Ao longo dessas três quadras, não sei ao certo o número de gotas que havia. Às vezes eu perdia a trilha, pois alguns estabelecimentos costumam lavar a calçada bem cedo. A seguir, porém, o olhar já reencontrava aquelas pintas vermelho-escuras, ora menos abundantes, ora mais. O infelizardo teria seguido o mesmo caminho que eu naquele bonito sábado de manhã, mas de certo era sábado de madrugada, talvez um pouco mais rápido, talvez muito mais rápido, então o tempo levado para registrar aquelas pegadas no meu caminho de sábado de manhã teria sido a metade, ou a metade da metade da metade do que meus olhos levaram, no sábado bonito, perseguindo aquela trajetória granulada de cor de vida insistindo em ser vivida em constraste com o concreto do chão de Porto Alegre, tá tudo bem por aqui. E por aí?



mardi, mai 19, 2015

Zangão apaixonado

Na minha janela, 
está preso um zangão
Mas preso por fora, 
querendo atenção.

Te peço que sumas
Não tenho o que queres
É inútil que insistas
Tua casa te espera.

A luz amarela
é nova no teto 
No entanto, não quero
inseto aqui dentro.

Não adianta zumbires
com o teu galanteio
que alguém eu te lembro,
que tenho o teu mel.

Não tenho essas asas
ou listras no corpo
Mas levo, confesso
o nome de abelha...

jeudi, avril 16, 2015

Momentos inesquecíveis

Todos os dias, voltava de trem. Todos os dias, lia alguma coisa pra passar o tempo. Todos os dias, sentava ao lado de alguém. Via muita gente todos os dias. É muita gente que pega o trem. Mas, naquele dia, lia O Primo Basílio, e nem havia sentado a seu lado o rapaz que, de pé, entre mochila, gente e aperto, se esticou para indagar: - A Luísa já encontrou o Basílio?

Todos os dias, agora, voltava de ônibus. Todos os dias estava cheio, mas dessa vez não. Mas todos os dias havia, mesmo assim, alguém a seu lado. Todos os dias, pessoas usavam fone de ouvido. Mas foi só nesse dia, lendo sobre Tantra Yoga, que o rapaz ao lado, sem dizer nada, lhe ofereceu um dos fones. Era música indiana. - Escuta mais. - e lhe deu o outro fone.

jeudi, avril 02, 2015

jeudi, mars 19, 2015

Coragem

Haviam dito, muito tempo atrás, que não saísse sempre vomitando verdades na cara dos outros. Era uma época em que existiam tantas verdades, que ficava impossível não denunciá-las. Fazia isso de corpo e alma; o corpo fervendo, mas a alma lavada. E tinha bons amigos. Isso não era problema - ao contrário, talvez fosse justamente por tamanha sinceridade que eles se aproximavam e não se afastavam mais.

Passa o tempo... senhor soberano, mas também cruel. A famosa teoria do produto do meio seguia fazendo muitas vítimas! E aqueles que desejam mudanças são os mesmos que não querem mudar. O problema, pois, é sempre na grama alheia. Eis que surge mais uma peça na engrenagem da fábrica freadora de verdades. Não interessavam seus motivos! Adeque-se já. E nasça sabendo como.

Agora, as verdades ainda existiam, mas estavam diferentes. Já não as revelava tanto, nem da mesma maneira. Também estava diferente. As pessoas não querem saber a verdade e, por isso, passam a encomendar aos outros verdades inventadas. Com o tempo, o processo alcançou dimensões inimagináveis, a tal ponto, que as verdades passaram a ser nada mais que mentiras, verdades alteradas, opiniões forçadas e estratégias de persuasão. Antigamente, jamais lhe agradaria ser peça dessa engrenagem, mas o tempo passou, o sistema cresceu e a verdade morreu. Passou a ter um sangue muito tranquilo circulando nas veias. Quase parando. Não precisava passar por situações tensas, nem peito bufando ou nó na garganta. 

Manipularam as suas verdades! Aquelas, que sempre haviam saído tão translúcidas e impregnadas de ideologia. Não sabia a quem culpar. Talvez devesse culpar a todos. Talvez devesse culpar a si! Como pôde deixar que levassem embora a sua coragem? Agora, o mundo já não tinha verdades, e sabia que tinha culpa nisso. Passou a acreditar em tudo o que diziam, só que ao contrário. Afinal, as pessoas também não gostavam que não acreditassem em suas falsas verdades. Então fingia. E, ao fingir, encarava tudo publicamente como verdade. Caso ficasse chato esse clima totalmente sem autenticidade, ninguém ficaria sabendo, afinal, tudo era teoricamente verdade. No entanto, todos sabiam que era mentira. E essa segue sendo, até hoje, a única verdade. Já não vomitou suas antigas verdades. Deixou tudo limpo e calmo. No espelho, o reflexo do que não existia: nem ele havia conseguido escapar do novo sistema.