Desta vez, a escolha do lugar no ônibus não seria como as outras. Ela foi muito mais triste. Atrás de mim, uma guria e um guri conversavam. Ela lhe perguntava o que ele fazia na Universidade no dia de hoje. Ele respondeu que era horário da bolsa em que trabalha. Ela pergunta, então, que curso ele faz, evidenciando a falta de intimidade entre os dois.
"Ciências da Computação. Mas queria fazer licenciatura em Física."
"E por que não faz?" - pergunta a guria.
"Meus pais não deixam." ... "Eles não querem que eu seja professor."
Talvez tanto quanto eu, a guria deve ter ficado chocada com o que seu pseudo-conhecido relatava. Seguia perguntando, sutilmente, por que ele não fazia, mesmo assim, o que gostava, por que os pais não queriam que ele fosse professor, se era porque ganhava pouco...
Pior: era porque não dava 'status social', diz ele. Tudo, tudo, com um tom de voz tão resignado - principalmente quando contou que foi expulso de casa pelos pais porque tinha se matriculado em Física, mas aí voltou atrás -, que sou capaz de dizer que tinha um semblante tão conformado quanto a voz, mesmo sem ter ousado olhar pra trás até ele descer. Ainda disse que o pai é engenheiro e a mãe, arquiteta. O irmão, mais velho, faz Engenharia da Computação na PUCRS.
E perguntava sobre as coisas que a guria falava (visivelmente tentando iluminar a mente tão alienada dele). Ela teve que explicar o que significava 'caráter', 'honestidade', 'identidade'... e dizer que a pessoa pode acabar perdendo a identidade, o que - grifo meu - é muito mais sério do que perder o documento com o número do RG.
Depois de alguns minutos de silêncio ele fazia outra pergunta qualquer, de certo constrangido com o silêncio (creio que chocado) dela, que, pra mim, dizia muita coisa. Em algum momento ele disse que, se/quando vier a trabalhar, vai morar sozinho e trocar de curso.
Mesmo que ele tenha descido antes, não tive coragem de falar com a guria, mas tive vontade durante todo o caminho. Desisti de descer na mesma parada, mas fiquei mais aliviada porque escrevia esse relato praticamente ao mesmo tempo em que tudo acontecia.
Se tive vontade de chorar enquanto ele narrava o próprio fracasso, seria mesmo EU a anormal? Ou será ele, em sua completa infelicidade?